quarta-feira, 22 de junho de 2022

CAPÍTULO 11 - É NOITE, TUDO SE SABE... PARTE 1

 

Capítulo 11 - É noite, tudo se sabe... Parte 1

 

 

     Era uma noite como tantas outras, mas algo de novo pairava no ar naquela quarta-feira, quatro de outubro de 1988. O dia seguinte seria um marco na história política do País. Depois do fiasco da posse do primeiro presidente civil após penosos anos de ditadura militar, quando assumiu um vice não de todo distanciado do mesmo regime, o País começava a ser regido por uma nova constituição.

 

     Do assento pouco confortável, colocado milimetricamente entre a porta e o balcão de um pequeno boteco na esquina da Rua Frei Caneca com a Marquês de Paranaguá, Rodrigo comia um “x” qualquer coisa, pensando no dia seguinte. Passava das dez da noite, aquele lanche chinfrim acompanhado de Coca-Cola era o almoço do dia e ele estava com a cabeça tão voltada para os últimos acontecimentos que mal reparava nas criaturas que lhe faziam companhia no pequeno boteco. Olhos atentos no jornal, ele acompanhava os preparativos para as solenidades de promulgação da nova Constituição.

 

     Não teve como deixar de reparar nos olhos verdes do senador Ulysses Guimarães, presidente da Constituinte. Aquele velho líder da oposição dizia estar se sentindo como uma noiva na véspera do casamento, cheio de ocupações e emocionado. Dizia ainda que, se a Constituição não tivesse defeitos, seria a Constituição dos anjos, não seria para nós. O vigor daquele homem era fantástico. Ele participou da inauguração do Bosque da Constituinte, onde cada constituinte teria uma árvore com seu nome. Ulysses plantou uma muda de pau-ferro. José Sarney, o presidente da República, plantaria uma muda de pau-brasil, mas desistiu de comparecer à festa. Estava pisando em ovos, talvez com medo de que a nova Constituição pudesse anular atos do seu governo.

 

     A festa de promulgação marcada para o dia seguinte teria duas convidadas de honra: Sarah Kubitschek, viúva de Juscelino, comemorando 80 anos, e Maria Mercês Tavares Correia, 84 anos, mãe da deputada Cristina Tavares, de Pernambuco. Atento à leitura do jornal, Rodrigo nem percebe a chegada do Radialista. Enquanto o homem se acomoda no seu banco cativo, Rodrigo analisa as palavras das convidadas de honra. Sarah diz que esta nova Constituição lhe traz “alta dose de esperança no Brasil, as coisas vão mudar”. Maria Mercês, ao contrário, declara que, mesmo com a nova Carta, vê tudo sombrio no seu País. “É um momento de interrogação. A lei não pode garantir paz e tranquilidade”.

 

     Depois do primeiro trago noturno, o Radialista cumprimenta todos os presentes e repara em Rodrigo, compenetrado na leitura. Quando o rapaz levanta a cabeça e tira o olhar do jornal, ele faz um aceno e dá uma piscadela maliciosa.

 

     Novo aqui, garoto? É isso aí... intelectual. Se atualizando na hora que tá todo mundo entregando os pontos e pensando no dia seguinte. Gente nova é assim mesmo...

 Não sou assim tão novo, já passei dos trinta.

     E a vida não começa aos quarenta? Cê tá novo ainda garoto. O que tem aí na nossa política? A nova constituição foi aprovada, não é mesmo? Já dei minha pescoçada nos jornais da banca, teve um deputado do PT que, ao contrário do partido, aprovou a redação final. Um cara lá de Minas Gerais, qual o nome dele, garoto?

 – José Paulo Velozo.

 Isso mesmo, Zé Paulo Velozo. Mineiro, gente boa, uai. Teve bomba lá, né?

  Foi no Teatro Nacional, um alarme falso. Os policiais não encontraram nada, nenhuma bombinha de São João. Ano passado teve um “badernaço” lá...

 Qual a sua idade, garoto?

 Trinta e quatro.

  Nessa idade a gente acredita em muita coisa... o tempo vai passando, a gente ficando mais velho e descrendo cada vez mais de tudo... Cê faz o quê?

 Sou arquiteto.

 É mesmo? Então você sabe por que escolheu ser arquiteto...

     Peraí, essa eu já conheço. O cara escolhe ser arquiteto porque não foi macho bastante para ser engenheiro nem muito afeminado pra ser decorador.

 É isso, você sabe das coisas.

   Mas não é o meu caso. E, ao contrário da piada, é preciso ser macho mesmo para ser arquiteto. Ou você acha que o Oscar Niemeyer e o Lúcio Costa não tiveram de ser muito macho para construir Brasília no meio do deserto?

 E comunista, ainda por cima!

 Só o Niemeyer. Comunista convicto, só a morte vai separá-lo do comunismo.

     É mesmo, comunista demora até para morrer! Pelo jeito, ele e o Fidel vão viver uns duzentos anos!

 

     A noite avança e eles continuam no boteco. Duas garrafas de cerveja vazias, um copo cheio e outra garrafa pela metade. Está chegando a hora em que o movimento no boteco aumenta e a fauna humana começa a variar. Rodrigo mora num pequeno apartamento de um quarto, sala, cozinha e banheiro ali mesmo na Frei Caneca, pouco antes da esquina da rádio etílica. No outro lado da rua, bem debaixo da sua janela, fica um hotelzinho muito procurado pelos trabalhadores da construção civil para as suas noitadas de orgia. Depois da meia-noite, as garotas vão à caça de programas. Bem mais discretas do que as que tomam conta da Rua Augusta. O boteco é um ponto de encontro da oferta e da procura. Rodrigo, porém, não se interessa por esse mercado do sexo, suas alternativas para suprir os desejos da carne são bem maiores do que as dos operários da construção. Nutre, no entanto, uma atração muito forte pelos movimentos noturnos da cidade.

 

     Passando a esquina, a Frei Caneca faz uma curva acentuada à esquerda, cruza a Augusta e continua como Caio Prado. Ali fica o parque Augusta, uma ilha verde no meio do concreto. Rodrigo costuma andar a pé por aquela região e pelo centro de São Paulo, sempre à noite. Sem medo nem preocupação com a segurança. Aprecia a sensação de liberdade ao caminhar pelas calçadas, pelo asfalto, prestando atenção em cada detalhe, nos personagens da noite, nos mendigos que perambulam em busca de abrigo, nas prostitutas em busca de trabalho e nos homens em busca de prazer.

 

     Aos dezenove anos ele foi vítima de um assalto e quase perdeu a vida. Ficou muito tempo traumatizado, com medo de sair de casa mesmo durante o dia. Com a morte de seu pai, dois anos depois, o problema se agravou. Vencer essa síndrome não foi tarefa fácil porque ele já carregava um histórico psicótico complicado, um quadro esquizofrênico originado na infância. Naquela época não era normal os pais darem atenção a coisas desse tipo, mesmo por que não havia como eles saberem o que se passava na cabeça de seus filhos. Se em famílias de classe média já era difícil, que dizer nas de baixa renda.

 

     Por conta desses acontecimentos que se somaram ao seu complexo de perseguição, o início da vida adulta foi muito prejudicado e, por pouco ele não perdeu a vontade de viver e de melhorar de vida. Deixou a escola logo que concluiu o científico, mas não perdeu a curiosidade e o desejo de aprender coisas novas. Quando as sequelas diminuíram a influência nas suas atitudes e relacionamentos, ele entrou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e, resistindo aos apelos da mãe, trocou Diadema por São Paulo. Depois de formado continuou morando e trabalhando na capital, sua nova paixão.


     O dono do boteco contabiliza mais um conhaque para o Radialista, limpa o balcão e lança um olhar na direção de Rodrigo que lê o jornal esquecido do copo e da garrafa. “Hora esquisita para ler jornal”, pensa em voz alta. Do outro lado do balcão o Radialista sente os efeitos dos conhaques tomados até ali. Seu espírito se mostra cada vez mais melancólico.

 

  No ar, a ZYK 35, rádio Mayrink Veiga. É noite, tudo se sabe... A ouvinte Maria Lúcia, do Tremembé, oferece esta música ao namorado Evandro, do Tatuapé, com muito amor e preocupação:De noite, eu rondo a cidade a te procurar, sem encontrar. No meio de olhares procuro, em todos os bares, você não está. Volto pra casa abatida, desencantada da vida. O sonho, alegria me dá, nele você está...”

 

     Todos se deixam levar pela voz grave do Radialista, ainda pouco maltratada pelo álcool. Sem parar de falar, ele encosta a cabeça na parede, puxa o copo de conhaque e fecha os olhos como se estivesse dormindo.

 

A temperatura está na casa dos vinte e cinco graus, a cidade dorme esquecida do tempo. Poucos carros transitam pelo centro e os moradores do Parque Novo Mundo esperam o amanhecer. Na avenida Paulista, a torre da Gazeta ilumina a passarela, ciclistas solitários pedalam na direção da Consolação e no viaduto do Chá, mendigos cospem nos pratos que não comeram. Continue ligado na ZYK 35, rádio Mayrink Veiga. É noite, tudo se sabe... Leonildo, do Jaguaré, oferece esta música do nosso gênio, Cartola, a todos os prepotentes e insensíveis que não aprenderam a dar valor ao sofrimento alheio: “Tire o seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor. Se hoje pra você eu sou espinho, espinho não machuca a flor.” É noite, tudo se sabe...

     

     Duas semanas depois e com o País já sendo regido pela nova Constituição, Rodrigo sente o cansaço da noite anterior, os olhos pesam, ele mal consegue prestar atenção no trabalho. Deixa a mesa e vai até a cozinha tomar mais um café. Na cozinha estreita, ele puxa um banquinho e fica ali sentado, tomando o café e pensando no Radialista. Desde que mudou para o apartamento e começou a frequentar o boteco, Rodrigo pegou o hábito de parar ali antes de chegar em casa. Toma uma cerveja, um café, come um lanche ou o que seja, fazendo de conta que o motivo principal de estar ali não é o Radialista. Considera o homem um poeta solitário, um eremita prostrado sob o peso da cidade ou do mundo que carrega dentro de si. Assim como o Radialista, Rodrigo possui a impressionante sensibilidade de captar os dramas escondidos em cada cantinho da cidade e na alma do seu povo, e isso não o deixa feliz. Ele sofre, e tem consciência do seu sofrimento. Talvez o Radialista também sofra e busque o remédio para sua melancolia na bebida e na sua rádio imaginária.

     No final da noite, ele caminha de volta para casa. Como sempre, sem pressa, reparando em tudo o que encontra pelo caminho. Na calçada da Praça da República, contempla o silêncio e a escassez de gente e de carros. Passa por uma viatura da polícia estacionada sob as árvores. Acena para os policiais, conhecidos da noite, enquanto caminha pela avenida Ipiranga, em direção ao colégio Caetano de Campos. Ouve a sirene de uma ambulância, mas não consegue saber de onde ela vem. Os poucos carros que transitam pela avenida diminuem a velocidade esperando o farol verde no cruzamento com a São Luiz. Ao se aproximar do cruzamento, Rodrigo ouve o som da sirene cada vez mais próximo e tem um pressentimento. A ambulância está passando por trás do colégio. O farol abre no sentido da Ipiranga, mas os carros não avançam por causa da ambulância que começa a aparecer por trás do colégio e desponta no cruzamento. De repente, um carro também em alta velocidade freia, mas não consegue parar. A ambulância chega primeiro no centro do cruzamento e é atingida pelo automóvel. O impacto faz com que o carro pare imediatamente no meio da pista enquanto a ambulância é arremessada para longe, capotando por três vezes seguidas até parar com as rodas voltadas para o céu.

 

     Paralisado, Rodrigo vê toda a cena em câmera lenta, como se fosse um filme. O motorista causador do acidente desce do carro, atordoado, e é socorrido por algumas pessoas enquanto muitas outras aparecem surgidas do nada e cercam a ambulância. Rodrigo se aproxima, contendo o medo de encarar o sangue, a morte. A agonia comprime o seu peito, causando um mal-estar incontrolável. Policiais conseguem abrir as portas da ambulância e Rodrigo não acredita no que vê. Da ambulância rola o corpo gigantesco de Dona Filomena, com seu vestido branco manchado de sangue. Atrás dela, seu Duca, com a arma ainda fumegante na mão, gira o corpo e aponta o revólver para a outra pessoa de bruços na maca. O homem se vira e Rodrigo percebe que é seu pai. Transtornado, ele se afasta da ambulância sentindo o cheiro de asfalto queimado, o barulho da sirene que não cessa e a confusão de gritos vindos do redemoinho de gente.



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30 anos da Constituição de 1988

Antecedentes da Constituição de 1988

Fundação Ulisses Guimarães


 


quarta-feira, 15 de junho de 2022

CAPÍTULO 10 – A TRAGÉDIA DE UBATUBA


Capítulo 10 - A tragédia de Ubatuba


Livre das amarras do "vereador" Filipe, coloquei a política partidária em segundo plano e me concentrei na arquitetura – e nas alunas da arquitetura. Não tinham muitas mulheres na minha turma, mas as que tinham valiam a pena. Em pouco tempo formamos um grupo bem heterogêneo. Cabeças pensantes, pensando o mundo de formas diversificadas. O espaço deixado por Filipe foi ocupado por Sérgio, um jovem de 21 anos, de família pobre como a minha e cheio de sonhos grandiosos. Um cara simples que gostava de literatura, rock & roll, carros turbinados e futebol. Chamavam-no de caipira porque ele veio de Lins e mantinha o sotaque carregado do interior. Para mim ele era o Serjão, o único com quem eu falava abertamente das minhas fraquezas. Amigo muito mais do que colega, o único de quem eu aceitava conselhos. Nas muitas conversas que tivemos até altas horas, revelei a ele o incômodo causado pelos meus olhos verdes. 

 

     – Para com isso, Rodrigo, a cor dos olhos não tem nada a ver com pobreza ou riqueza, é pura casualidade genética. Nunca estudou biologia, cara? Já esqueceu aquela história de cromossomo X, cromossomo Y, gene recessivo e gene dominante? E daí que só você tem olhos verdes na família? É o jogo da natureza, não adianta ir contra.

 

     Como falar do “pai dos pobres” depois disso? Foi ele quem extraiu o humor camada sob camada abaixo das minhas carrancas e me fez ver a vida de uma maneira completamente nova. Às vezes eu tinha impressão que estava voltando a ser a criança da Vila Esperança, recém-liberta do Zé Rubens. Livre, cada vez mais livre. Os amigos da faculdade propiciavam esse renascer na minha alma até então apagada. Foram quatro anos de descobertas, paixões, discussões acaloradas e muita, muita farra. Curtimos festas loucas, passeios memoráveis, acampamentos e viagens inesquecíveis.

 

     No último ano da faculdade, alugamos um casarão em Ubatuba, não por mera coincidência, durante a Copa do Mundo de 1982. O time do Telê Santana estava novamente enchendo os olhos com vitórias deslumbrantes e um futebol refinado, pura arte! Nem todo mundo, é lógico, gostava de futebol, mas Copa do Mundo é Copa do Mundo! Saímos na manhã de sexta-feira. O jogo era na segunda à tarde, tínhamos muito tempo para curtir a praia e tudo mais. Ao todo eram dezessete pessoas, sete mulheres, o que propiciava uma variada probabilidade de relacionamentos amorosos ou puro sexo. A loucura já começava em fazer a viagem no carro do Serjão, um Dodge Dart vermelho sanguinário, todo turbinado, motor envenenado e com um ronco de causar inveja num Fórmula 1. Arrojado no design e mecânica de carros, Serjão era tradicional ao volante, principalmente quando estava com o carro cheio dos amigos da faculdade. Jurandir, um aluno de medicina muito do maluco, tentou de todas as maneiras convencer o Serjão a passar o volante para ele, mas não teve jeito. Sorte nossa, porque o Jurandir era pé de chumbo.

 

     Quis o destino e a mística que o sol resolvesse não dar as caras logo que chegamos. Tudo bem, contanto que não chovesse, o estrago seria pequeno. Era praticamente a nossa última oportunidade de desfrutar todo aquele paraíso antes da formatura. Depois, cada qual pegaria seu caminho, alguns continuariam a amizade, outros ficariam no passado, sem muitas marcas. Já minha amizade com Serjão tinha tudo para ser prolongada, o tipo de amizade à prova do tempo. Eu tinha uma baita consideração e admiração por ele. Acho que ele me preenchia de alguma maneira. Na companhia dele eu levava a vida de forma mais leve, deixava de lado as coisas que me puxavam para baixo. E foi assim durante aqueles quatro dias inesquecíveis naquele casarão entregue a dezessete jovens sedentos por vida, antes que as responsabilidades da profissão nos pegasse de jeito, os compromissos da vida pesassem nas nossas costas. Por isso rolou de tudo naquela casa, muita bebida, música, alguma droga enrustida, paixões, adrenalinas, testosteronas, hormônios vazando pelos poros, beijos, abraços, amassos, carinhos correspondidos, não correspondidos, choros, brigas, desavenças, reconciliações, euforias, alucinações, encontros, desencontros... E no final: Estádio Sarriá, Espanha, Brasil versus Itália, jogo de vida ou morte, reedição da final de 1970. Dá-lhe Brasil!

 

     A televisão não era muito grande e dava umas travadas repentinas. O tempo estava nublado, sujeito a chuva. Todo mundo amontoado na sala e o Serjão no meio, puxando o coro da torcida. Única certeza: outra exibição de gala da melhor seleção do mundial. Brasil classificado, italianos chorando mais uma derrota contra os melhores do mundo. Torcedores espanhóis do nosso lado, festa antecipada, rumo ao caneco. Não tinha como não estar eufórico. A bebedeira começou cedo e na hora do jogo alguns já tinham tombado. Serjão era o mais animado e o mais convicto da vitória. Brasil 3 a 0, com gols de Sócrates, Zico e Falcão. A Itália era uma baba, tinha empatado todos os jogos da primeira fase e só se classificou por causa do saldo de gols. Já o Brasil de Telê Santana venceu todos os jogos, cada um mais empolgante do que o outro: 2 a 1 na Rússia, 4 a 1 na Escócia, 4 a 0 na Nova Zelândia e 3 a 1 en los hermanos!

 

     Nunca havia visto o Serjão tão empolgado, nem sei se ele tinha faturado alguma garota nas loucuras do pré-jogo, mas se tivesse, não estaria tão eufórico quanto estava no momento em que o Brasil entrou em campo. Sua empolgação, porém, foi gradativamente sendo minada por Paolo Rossi e pela marcação implacável da squadra azzura. Primeiro vacilo e Paolo Rossi carimba 1 a 0. Primeiro gol dele no mundial! Não foi o bastante para abalar o Serjão, confiante apesar da preocupação geral de todos os brasileiros. Depois de muita unha roída e muitas tentativas do time de Telê, veio o alívio. Zico acha Sócrates livre que toca entre a trave e Dino Zoff. 1 a 1 e a volta da alegria, da confiança, da cervejada! O Brasil precisava apenas de um empate para se classificar, mas todo mundo queria mais uma goleada, esquecendo-se que do outro lado tinha uma Itália cada vez mais pegadora e organizada. O time de Enzo Bearzot ansiava por mais um vacilo dos imbatíveis e ele veio aos vinte e cinco minutos quando Toninho Cerezo errou um passe bisonhamente no meio de campo e entregou a bola, para quem? Paolo Rossi que avançou que nem um foguete e fulminou Waldir Peres. 2 a 1 Itália. Eu gelei, assim como a maioria de nós grudada na telinha. Até o Serjão sentiu o golpe. Não era possível, ele não acreditava no que estava vendo. Começou a beber, coisa que ele pouco fazia. Acabou o primeiro tempo, os jogadores brasileiros se retiraram abatidos.

 

     Ninguém dizia nada, apenas resmungávamos. Um fio de esperança ainda estava guardado para o segundo tempo; no entanto, pela primeira vez naquele mundial víamos nossa seleção pisando em ovos e com medo. O jogo recomeçou e aumentou mais ainda nosso desespero, o Brasil não conseguia encaixar nenhuma jogada e a Itália crescia a cada minuto. Quando nossos atacantes conseguiam acertar o gol, brilhava a estrela de Zoff. O nó na garganta apertava até o momento que Falcão recebeu a bola na entrada da área, percebeu a defesa italiana se abrir e bateu forte para empatar. Agora era só segurar o 2 a 2 e garantir a vaga! O problema era que aquela seleção não sabia jogar se defendendo, tinha obsessão pelo gol e pelo futebol bonito. Faltando quinze minutos para o final o Brasil cede um escanteio e com a defesa toda desatenta vê a bola atravessar toda a pequena área e encontrar quem? Paolo Rossi completamente livre para marcar e decretar a tragédia de Sarriá. Itália 3, Brasil 2. Brasil desclassificado, para espanto do mundo inteiro!

 

     Eu nunca tinha visto o Serjão bêbado e chorando como uma criança, completamente desnorteado. Tentei consolá-lo de todas as maneiras, mas não consegui. Queria ter esse poder, mas não o tinha. Fiquei de olho nele. Todos nós estávamos abobalhados, sem saber o que falar, pensando na volta para casa. Começou a cair uma garoa fina. Achamos melhor voltar no dia seguinte, esperar passar aquele clima de velório. Serjão não tinha comido nada e, de repente, começou a comer, talvez porque estivesse bêbado e arrasado. Resolvi tirá-lo dali antes que ele entrasse num coma alcoólico ou numa congestão. Pensei que o melhor seria fazê-lo caminhar e saí com ele em direção à praia. Evitei falar de futebol, falei das garotas e da possibilidade de alguma coisa ainda rolar naquela última noite. Nada disso o animou. Aí eu pensei que o Brasil inteiro estava assim. Um velório sem mortos. E fiquei pensando que alguma coisa estava errada. De um lado, uma nação em festa e de outro um país inteiro entregue à tristeza e às lamentações. O futebol não pode ter o poder de destruir uma nação inteira! Tudo estava errado, fizemos aquela viagem para nos divertirmos, para lavar a alma e sermos felizes, nunca para terminar daquela forma.

 

     Fiquei encucado com esse pensamento e quando consegui me libertar dele, cadê o Serjão? De novo, o velho pressentimento caiu como um raio em cima de mim. Corri em direção ao mar e consegui vê-lo depois do quebra-ondas, se debatendo. O mar estava calmo, meu coração agitado. Nadei o mais rápido que pude e consegui chegar até ele que se debatia de forma estranha para quem sabia nadar tão bem. Esperei o melhor momento de agarrá-lo. Com muito esforço consegui trazê-lo para a margem. Estava desacordado. Gritei por socorro. Logo a praia estava cheia e eu tentando reanimá-lo com massagens no peito, respiração boca a boca, qualquer coisa que pudesse trazê-lo de volta. Tudo em vão!

 

     Meu amigo morreu por entrar no mar com excesso de comida e bebida. Uma congestão ou algo assim. Quem me afastou dele foi Jurandir, já quase um médico. O Brasil inteiro chorava pela tragédia de Sarriá, mas o que era isso perto da tragédia de Ubatuba? Nunca mais veria meu amigo, assim como nunca mais veria Gabriel, Liane, meu pai... Na falta do que pensar, pensei na minha sina maldita; na morte do “pai dos pobres” no dia do meu nascimento. Queria morrer também, mas isso ainda não me era permitido.

 

     No dia seguinte fomos à casa dos pais do Sergio, uma casa humilde no Parque Bristol, divisa com São Bernardo. Passamos lá a noite toda. Seus pais eram evangélicos, atravessaram a noite orando e chorando. No outro dia enterraram o filho mais velho, o mais promissor. Fizemos uma homenagem no centro do campus, numa noite fria e triste como a minha alma. Pensei no assalto, na minha vida nas mãos de um bandido que me permitiu continuar vivendo. Um bandido! Eu tive a vida de meu melhor amigo nas minhas mãos e não consegui salvá-lo! Por que o mundo é assim, Senhor? 


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Jogos eternos Itália 3 x 2 Brasil




 


quarta-feira, 8 de junho de 2022

CAPÍTULO 9 – UM MILITANTE À DERIVA – PARTE 2

 

Capítulo 9 - Um militante à deriva - Parte 2


A reforma partidária de 1979, em pleno governo do general João Baptista Figueiredo – aquele que tinha mais paciência para lidar com cavalos do que com gente – trouxe o retorno ao pluralismo partidário. As novas regras impunham restrições severas à formação de partidos políticos. A proibição de registro de partidos comunistas fora mantida. Mesmo assim, em 1980, surgiram seis partidos, mas apenas dois podiam ser considerados sucessores de organizações partidárias pré-existentes. O PT – Partido dos Trabalhadores, nasceu no dia 10 de fevereiro de 1980, no colégio Sion em São Paulo, com a participação de diversos representantes dos movimentos sociais e intelectuais de todo o País. Organizado em torno das mobilizações do “novo sindicalismo” em unidade com outros movimentos populares, o PT foi fruto da união de movimentos populares urbanos, organizações de esquerda, intelectuais e políticos vindos do MDB.

 

     A concretização de um projeto de partido de massa se deu com a união de militantes de diferentes bases ideológicas intensificada após a fundação do partido. Esse balaio ideológico era composto pela concentração em São Paulo das principais lideranças do novo sindicalismo, encabeçadas por Lula; pela aproximação de políticos do MDB paulista, marginalizados pelas lideranças do seu partido após as eleições de 1978; com o engajamento de quadros intelectuais, juntamente com o apoio das organizações de esquerda na formação do partido e, finalmente, pela mobilização de um número significativo de movimentos populares urbanos, em boa parte encabeçados pelos setores progressistas da Igreja Católica.

 

     Empolgado, eu tentava compreender como todas essas correntes não se digladiariam e como fariam para manter a unidade do partido. A Convergência Socialista teve sua entrada no debate da reforma partidária como proposta de um partido socialista de trabalhadores. Outros grupos menos conhecidos, autodenominados trotskistas, entraram da mesma forma no debate partidário. Na sua maioria, esses grupos eram organizações clandestinas anteriores ao PT, emergidas em fins da década de 1960 e início da década de 1970. Com orientações políticas bastante definidas e com certo doutrinamento, esses grupos eram identificados como: MEP (Movimento de Emancipação do Proletariado), voltado à luta armada e originado do PCB da década de 1970; LIBELU (Liberdade de Luta), organização estudantil; Ala Vermelha, dissidência do PC do B; membros da AP (Ação Popular), da PALOP (Política Operária) e do PRC (Partido Revolucionário Comunista), dissidência do PC do B.

 

     A maior bandeira levantada pelo PT era a da ética na política, propondo-se a ser um partido diferente de todos os demais. Na sua Carta de Princípios, foi definido como um partido criado para lutar contra a exploração do homem pelo homem, bem como um partido das massas populares capaz de unir todos os operários e outros segmentos de trabalhadores que compõem essa massa explorada, como bancários, professores, funcionários públicos, estudantes e profissionais liberais. O PT afirmava seu compromisso com a democracia plena, exercida diretamente pelas massas, pois não há socialismo sem democracia e nem democracia sem socialismo, rezava a Carta de Princípios.

 

     Depois disso, tome estrelinha vermelha e botons no peito com a inscrição “oPTei”! Como todo noviço eu estava empolgado com a minha participação política e daí a me tornar um chato era um passo não muito grande. Nessa época eu não morava mais na Vila Esperança, dividia um quarto com mais dois alunos: Filipe, estudante de História que passava mais tempo discutindo política do que estudando, autoconsiderado guru dos calouros e Douglas, aluno da faculdade de Medicina, devoto da “canabis” e congêneres. É claro que, sem solicitar, me tornei discípulo político e futuro cabo eleitoral do Filipe que nutria o projeto de lançar candidatura a vereador pelo PT. Os ventos estavam propícios para os planos do Filipe, um filhinho de papai que poderia pagar uma faculdade particular mas ocupava o lugar de algum filho de operário que ele dizia defender. A liberdade de imprensa havia sido restabelecida e Figueiredo promulgara a Lei de Anistia, resultando na volta da maior parte dos exilados e a libertação de opositores presos, mas excluindo os condenados por “terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal”. ARENA e MDB foram extintos. A ARENA transformou-se no Partido Democrático Social (PDS) e o MDB virou PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro. Surgiram ainda o PDT e o PTB, renascido das cinzas. As eleições diretas para governador retornaram em 1980.

 

     Minha vida mudara bastante, assim como as pessoas com quem eu convivia. Voltava a Vila Esperança apenas para rever minha mãe e meus irmãos. Todos estranhavam meu cabelo e barba compridos. Estranhavam mais ainda meu discurso político. Minha mãe achava aquilo tudo baboseira e nutria uma antipatia cavalar ao PT e, principalmente, ao Lula. Sinto que, se meu pai estivesse vivo, não seria diferente. Procurava, então, não tocar nesses assuntos proibidos e limitava-me a comentar como estava sendo bom estudar na USP e como a cada dia gostava mais de arquitetura.

 

Então, enfia a cabeça nos livros e esquece a política! – Aconselhava minha mãe.

 

     Eu entendia a preocupação dela. Apesar dos ventos de liberdade, setores contrários à democratização promoviam ataques a bancas de jornal, incendiadas à noite, e organizavam atentados. Aquilo era o tipo de coisa que não me deixava à vontade, mas empolgava Filipe, meu colega de quarto e futuro vereador petista, para quem quanto mais a ala linha dura do exército se manifestasse, mais rápido acabaria a ditadura militar. Filipe era o típico militante xiita, para quem era Deus no céu e o Lula na terra. O pior era que ele acreditava que eu estava indo para o mesmo caminho. Crente que eu bebia na mesma fonte, não hesitava em me arrastar para tudo quanto era manifestação e aquilo já estava começando a me cansar. Eu ainda não sabia como dar um basta sem que ele interpretasse minha atitude como uma ruptura com a classe trabalhadora e a consequente cooptação pelas classes dominantes.

 

     A gota d’água veio na noite de 30 de abril de 1981. Estava programado um show no Riocentro em comemoração ao Dia do Trabalhador. Filipe organizou uma caravana de estudantes da USP rumo ao Rio de Janeiro, não propriamente movido pela música. Eu era o convidado principal, não adiantava tentar recusar, mesmo que não tivesse dinheiro, ele pagaria tudo. Quando minha mãe soube, fez de tudo para evitar a viagem, mas, quem era ela para demover Filipe dos seus planos de ascensão política? Prometi que seria a última vez e que iria apenas para ver o show, na volta, romperia com Filipe. Fui, não sem carregar um certo pressentimento maternal.

 

     Desembarcamos na cidade maravilhosa e fomos direto ao Riocentro. Pairava um não sei o quê no ar. Ocorrências estranhas se pronunciaram antes mesmo de o show começar. A Polícia Militar, responsável pela segurança do evento, estranhamente suspendeu o policiamento naquele dia, sob o argumento de que, por se tratar de um evento de natureza privada, os próprios organizadores deveriam se incumbir da segurança no local. Tudo bem, já estávamos lá e tínhamos mais é que curtir o show. E a noite estava propícia, não fosse, como sempre, as impertinências militantes do Filipe que conseguiu me arrancar do local para distribuir panfletos nos arredores do Riocentro.

 

     Contrariado, eu o seguia pelo estacionamento disposto a acabar com aquilo e voltar para o show que já havia começado. Por volta das vinte e uma horas, avistamos um Puma metálico com dois ocupantes, deslocando-se lentamente. Filipe achou o carro suspeito e pediu para que eu o acompanhasse. Mal o carro saiu da vaga, uma súbita explosão estufou o teto do veículo e destruiu suas portas. Desesperado, um dos ocupantes se jogou para fora implorando ajuda. Corremos até lá e constatamos que o outro ocupante provavelmente estava morto, o que foi confirmado mais tarde. Outras pessoas apareceram e levaram o sobrevivente para o hospital. Outra explosão ocorreu na miniestação elétrica que gerava energia para o evento, causada por uma bomba, enquanto que outra bomba jogada por cima do muro explodiu no pátio, mas não interrompeu o evento nem causou danos.

 

     Depois ficamos sabendo que os ocupantes do Puma eram o sargento Guilherme Pereira do Rosário e o capitão Wilson Dias Machado, militares integrantes do DOI do I Exército da cidade do Rio de Janeiro. O sargento Rosário, treinado em montagem de explosivos, morreu quando a bomba foi acidentalmente detonada no seu colo. A alegação do exército foi que radicais de esquerda teriam sido os responsáveis pelo atentado contra o governo, mas a alegação caiu por terra quando foram identificados os dois militares. A “linha dura” do exército e o SNI (Serviço Nacional de Informações) fizeram um esforço conjunto para encobrir o caso; porém, um inquérito policial militar foi aberto e o fracasso nas investigações para provar a organização do atentado pela “linha dura” levou o ministro da Casa Civil, Golbery do Couto e Silva, a renunciar ao cargo. Passados três meses de investigação, o coronel Wilson Machado foi indiciado por homicídio qualificado, o general da reserva Newton Cruz foi indiciado por falso testemunho e desobediência, o sargento Guilherme do Rosário também seria condenado se estivesse vivo.

     O episódio serviu para acelerar a falência da ditadura militar no Brasil e possibilitar ainda mais a conquista da democracia quatro anos mais tarde. De quebra, serviu também para acelerar meu rompimento como cabo eleitoral do futuro vereador Filipe, para alívio da minha mãe. E, por que não dizer, meu também?




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domingo, 5 de junho de 2022

CAPÍTULO 9 – UM MILITANTE À DERIVA – PARTE 1

 

 

Capítulo 9 – Um militante à deriva – Parte 1

 

O fim do meu calvário começou quando resolvi pôr um ponto final na minha clausura e tomar finalmente um rumo na vida. Não teria futuro como autodidata. Também não poderia continuar vivendo à margem da história. As cicatrizes emocionais davam mostras de que só seriam fechadas se eu me dispusesse a isso. Disposto a não me deixar vencer pela sina maldita trazida do berço, passei a me interessar por política à procura de um papel social no mundo.

 

O regime militar já dava mostras de não estar tão garantido com as vitórias sucessivas da ARENA, o partido governista sobre seu opositor. Tendo como foco a repressão, a injustiça social e a desigualdade do modelo econômico, o MDB conseguiu expressiva vitória no Senado nas eleições de 1974, durante o governo Geisel, marcado pelo processo de distensão lenta, gradual e segura para reimplantar a democracia no País. As vitórias do MDB em 1976 e 1978 iniciaram uma onda de mobilizações populares menos sujeitas à repressão. Os movimentos populares retomavam aos poucos a atuação política. A reboque de tudo isso, eu me engajei de corpo e alma na luta das classes trabalhadoras, a despeito dos meus olhos tão, tão verdes.

 

A eclosão dos movimentos sociais a partir da segunda metade dos anos 1970 teve como destaque o movimento dos trabalhadores, trazendo no seu bojo o “novo sindicalismo”, marcado pela ruptura com as estruturas do “sindicalismo varguista”, pautado nas alianças entre os líderes sindicais e o governo. Lá estava eu, me posicionando contrariamente ao legado deixado por ele, o próprio Getúlio Vargas, umbilicalmente preso à minha sina maldita. Em pouco tempo eu já dominava todo o palavrório político e marcava terreno como militante das causas populares, tentando com isso me desgarrar definitivamente do “pai dos pobres” e da sua morte premeditada no dia em que vim ao mundo.

 

Principal cenário desse novo sindicalismo, a região do ABC seria palco de uma série de greves, como a de 1978. Surgia aí a figura de maior destaque no universo sindical, o ex-torneiro mecânico Luiz Inácio da Silva, ou Lula. A novidade no sindicalismo da época era a nova maneira de conduzir as negociações entre patrões e empregados, com a autonomia do trabalhador sendo colocada em primeiro plano e o embate e a resistência como as principais armas em contraposição ao velho sindicalismo que privilegiava os acordos e a conciliação entre patrões e empregados.

 

Recém-saído do casulo que eu mesmo criara, e neófito na militância política, eu conciliava minha atuação com os preparativos para o vestibular. Insatisfeita com o meu repentino despertar de libertador das classes oprimidas, minha mãe buscava compensação na volta do meu interesse pelos estudos. Alimentava a esperança de que ao entrar na faculdade eu esqueceria a política já que ela não tinha feito parte da minha vida até aquele momento e não fizera falta alguma.

 

Não era exatamente isso o que se passava na minha cabeça. De olho em todas as mudanças que se processavam por baixo do tapete da ditadura, sentia-me fortalecido e, pela primeira vez na vida, consciente de que tinha um papel social a desempenhar. O movimento sindical bastante combativo e agressivo que emergia nos centros urbanos estava relacionado a três questões essenciais: a autonomia sindical frente ao Estado e a independência diante dos partidos políticos; a negociação direta com os patrões, sem intervenção do Estado nas conversações salariais e as mobilizações de base para permitir criar as condições para um sindicalismo de massas, apoiado na democracia interna. Tudo de acordo com o que eu lia nas cartilhas sindicais. Planejava fazer jornalismo para dar continuidade à minha incipiente atuação política, mas a vocação falou mais alto. Naquele mesmo ano de 1978, entrei na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Para os padrões de hoje eu estava bem atrasado. Comecei a faculdade aos vinte e quatro anos, quando já deveria ter concluído o curso e estar trabalhando na profissão escolhida. Isso, porém, não chegava a ser uma desvantagem. Conviver com pessoas mais jovens alimentava ainda mais a minha vontade de mudar o mundo.

 

Junto com esse novo sindicalismo que atingia principalmente o operariado das grandes indústrias metalúrgicas, surgiam também novos setores organizados sobre a base de um sindicalismo combativo como o dos professores universitários. Operário estava na crista da onda e defendê-lo como estudante engajado era o que mais ocorria dentro das universidades. Surgiu também uma gama de movimentos que se fortaleceram e ganharam expressão como movimentos negro, de gênero, direitos do consumidor, alas progressistas da Igreja Católica como a Teologia da Libertação e as pastorais, assim como as Comunidades Eclesiais de Base, o movimento pela anistia, movimentos de direitos humanos e muitos outros. Estava preparado o caldo de cultura que culminaria com a fundação do Partido dos Trabalhadores.



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