quinta-feira, 18 de agosto de 2022

CAPÍTULO 13 - ENFIM VANESSA! PARTE 2

 

Capítulo 13 - Enfim Vanessa! Parte 2


Depois do jantar ficamos vagando pela cidade. A noite estava muito bonita, com uma tremenda lua cheia explodindo no céu. De repente, me vi poético. Tudo de bom brotava em mim movido pela presença dela. Em sonhos, em realidade. Necessitava dela, ansiava por ela, mas sem pressa. Sabia que aquela bióloga seria minha como a coisa mais evidente da natureza. Desnecessário dizer que não fomos para meu apartamento de solteirão de 35 anos, muito menos para a casa dela, provavelmente um palacete ou, no mínimo, uma mansão em algum lugar nobre da cidade. Também não houve motel nem nada do tipo. Cada qual voltou comportadamente para seu ninho e eu ansiando não ser esquecido no dia seguinte, como um mero arquiteto derrubado junto com o muro alemão.

 

O tempo se encarregou de mostrar que essa minha preocupação não tinha sentido, afinal Vanessa se interessara verdadeiramente por mim do jeito que eu era, com meus olhos verdes e tudo o mais que fazia de mim o homem que talvez ela também estivesse procurando há milênios. Aquela menina burguesa de 29 anos tocara meu coração de imediato e isso não era pouca coisa para quem carregava há tanto tempo uma sina sinistra. Digo isso por causa de tudo o que se passara comigo até o encontro inesperado naquele bar alemão. O menino de Vila Esperança que tivera sua primeira experiência amorosa com uma menina tão virgem quanto ele e que não tivera a chance de revê-la uma vez mais sequer; que sofrera perdas, desencantos, descaminhos até encontrar a mulher que, inconscientemente buscava há milênios. Agora não tinha pressa em realizar meus desejos mais recônditos porque sabia que aquela mulher seria minha, apenas não tinha certeza se a felicidade estaria à nossa disposição. A única certeza era que jamais deveria abrir mão de uma vida com Vanessa, seja lá o que a vida tivesse reservado para nós dois.

 

Vanessa era de família rica sim, mas não deixava isso transparecer devido ao seu jeito despojado e à total despretensão com a sua situação social. Era uma mulher simples, apesar de sua aparência refinada. Seus relacionamentos bem diferenciados me agradavam, mas eu considerava bastante remota a probabilidade de seus pais simpatizarem comigo. Como ainda não sabiam da minha existência, muito menos eu estava convencido de que ela tinha intenção de me apresentar a eles, não era o momento de pensar nisso. Estávamos a dois meses juntos e eu ainda não sabia dizer se era namoro ou amizade. Naquela época eu estava trabalhando muito, acumulando projetos devido à contenção de despesas que ocasionaram demissões no escritório. A economia no final do governo Sarney estava capengando. Após sucessivos e fracassados planos de estabilização econômica, a inflação estava completamente fora de controle. O povo, que já fora “fiscal do Sarney”, estava completamente descrente em congelamentos de preços e de salários e não sabia como enfrentar o tenebroso dragão da inflação e o galopante desemprego.

 

Foi nesse quadro desastroso que aconteceu a primeira eleição direta para presidente após o finado regime militar. Vinte e duas candidaturas foram lançadas, seriam vinte e três se o ex-presidente Jânio Quadros não tivesse abandonado sua pré-candidatura por motivos de saúde. A eleição foi realizada no dia 15 de novembro e levou para o segundo turno os candidatos Fernando Collor de Mello, do inexpressivo PRN, representante dos interesses conservadores, e Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, representante das forças populares e de esquerda.

 

Havia um acordo tácito entre Vanessa e eu de não falarmos sobre política. Nunca perguntei, mas acredito que ela votou no Collor, assim como também nunca fui indagado e, muito provavelmente, ela sabia que eu havia votado em Lula. Pois é, votei, não com aquela convicção dos tempos do “vereador” Filipe, simplesmente porque não engoli aquela história de caçador de marajás. O segundo turno foi realizado em 17 de dezembro de 1989 e deu a vitória ao Indiana Jones alagoano. Até hoje, muito se discute a edição do último debate realizado pela Rede Globo que teria favorecido Collor de Mello e influenciado no resultado da eleição. Esse assunto levou milhões de petistas ao desespero, mas não me afetou em nada. Minha cabeça estava totalmente voltada para Vanessa, só ela mexia comigo, me levava para a Lua e me trazia de volta para a Terra.

 

Mas a vida não é feita de sonhos e a realidade não pede para prestarmos atenção a ela, simplesmente se impõe. Por mais que estivesse apaixonado, não tinha como desvincular minha vida dos acontecimentos políticos e econômicos à minha volta e dependia deles para viver. Nosso presidente aventureiro arvorou-se a solucionador da crise e, juntamente com sua ministra do planejamento, Zélia Cardoso de Melo, criou um mirabolante plano para conter a inflação e colocar a economia nos eixos. Não conseguiu nem uma coisa nem outra e ainda confiscou a poupança da maioria dos brasileiros, inclusive deste aqui, com a cabeça totalmente voltada para Vanessa que nem se deu conta da arapuca em que estava entrando. Problemas à parte, nosso amor já tinha se consolidado e evoluía num ritmo alucinante e à revelia dos meus abastados futuros sogros.

 

A intensidade do nosso amor desviou nossa atenção de detalhes. Como nossas famílias reagiriam quando soubessem que estávamos decididos a viver juntos, de preferência casados?  Os pais dela foram mais rápidos. Ficaram sabendo do nosso namoro e levantaram minha ficha. Arquiteto formado em idade avançada, de família humilde, nascido em Diadema, funcionário de um escritório de arquitetura ameaçado de falência, ex-militante do PT, morando num pequeno apartamento de dois quartos no centro da cidade, com a poupança confiscada e sem muita expectativa de futuro. Vanessa tentou me tranquilizar dizendo que era maior de idade e responsável pelos seus atos. Além do mais, eu era um brilhante arquiteto, de concepções arrojadas, com um futuro promissor e capaz de lhe proporcionar tudo o que ela necessitava, mesmo que isso significasse abrir mão do conforto que os pais lhe proporcionavam.

 

– Tá legal, então você acredita naquela história de amor e uma cabana?

– Não necessariamente, mas não acho que seja esse o caso. Você não está na rua da amargura. Tem trabalho, uma profissão promissora e talento. Nisso eu acredito e acho que você deveria acreditar mais em você.

– Pelo que entendi você vai me apresentar aos seus pais...

– Por que não deveria? Não vejo nenhum drama nisso. Você, por acaso, já pensou na possibilidade de eles gostarem de você?

– Pelos meus lindos olhos verdes?

– Agora você está sendo debochado e preconceituoso. Não estamos em vias de uma luta de classes. Não precisa haver uma queda da Bastilha para você ser aceito pela minha família. Aliás, gostaria de saber se existe o mesmo problema com a sua. Ou melhor, será que o problema verdadeiro não é esse? Talvez o que esteja te preocupando tanto é sua família me achar burguesa demais para você. É ou, não é?




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